No dia 14 de junho de 2015 a Comissão de Festas de Possacos levou a cabo o III Percurso Pedestre - Ponte do Arquinho, "Caminhos com história. Na noite anterior choveu torrencialmente em toda a região e a manhã mostrou-se tormentosa provocando receios na organização que chegou a por em casa a realização da caminhada. A organização vacilou mas alguns caminheiros destemidos foram chegando e "não houve como dizer não".
Apenas compareceram 1/3 dos inscritos mas, mesmo assim, o grupo era bastante heterogéneo, quer nas idades, quer na proveniência , ouvindo-se falar português, castelhano e francês.
No pequeno-almoço o folar esteve presente, ou não seja este o produto estrela de Valpaços. Os participantes aproveitaram para se conhecerem, ou para se reverem, porque alguns já se conheciam doutras caminhadas. Foram oferecidos como brindes, um boné gravado expressamente para a caminhada e uma pequena garrafa de vinho, Ponte do Arquinho.
Entretanto o estado do tempo foi melhorando, mas ainda partimos com guarda chuva. Não chegou a ser necessário. Ao final da manhã o céu apresentava-se azul e com poucas nuvens. Depois do almoço, voltou a chover.
Iniciámos a caminhada com um breve percurso pela aldeia. Não foi possível prestar muita atenção porque o passo era muito acelerado. Eu tinha a intenção de conhecer bem a aldeia durante o período da tarde, mas isso não veio a acontecer.
Passámos pela rua Direita e pelo Largo da Fonte, único espaço que eu já conhecia. Visitámos o solar dos Xavieres. Seguimos para a igreja pela rua José Manuel Vieira. Celebrava-se a Eucaristia e não não entrámos. A igreja tem como orago Nossa Senhora das Neves, bem presente numa imagem no frontispício.
Continuámos pela Rua Martianos até a pequena capela onde fizemos a foto de grupo.
O destino seguinte seria a aldeia abandonada do Cachão. Fomos pelo caminho chamado "dos mortos" porque era por ele que conduziam os falecidos na aldeia de Cachão, para serem sepultados na sede de freguesia,
Pelo caminho foram surgindo cerejeiras e figueiras carregadas de frutos, desafiando os caminhantes, alguns não resistiram à tentação.
Eu, como habitualmente, seguia no grupo da retaguarda muito atento à paisagem, à fauna e à flora, trocando impressões com dois jovens da organização que me fizeram companhia durante todo o percurso.
Foi a minha primeira caminhada no concelho de Valpaços, por isso tudo era novo, mas muito familiar. Desde os primeiros quilómetros que fiquei positivamente surpreendido com o percurso. A organização teve imenso trabalho na limpeza de caminhos tradicionais, pouco utilizados e já tomados pelas silvas.
Nesta zona predomina o granito, por vezes com formações gigantescas e esculturalmente talhadas pelos tempos. A flora é muito variada, com árvores e arbustos dignos de referência como o zimbro, sumagre, medronheiro, espinheiro e cornalheira. A exuberância de maio já passou mas ainda havia baste colorido no hipericão, fel-da-terra, dedaleiras, arçãs ou na modesta erva-prata que cobria os caminhos.
Os motivos de interesse eram muitos, mas já se vislumbrava ao fundo as ruínas das casas de Cachão. Este curioso nome foi, por certo, herdado do rio, uma vez que cachão é uma passagem estreita no rio, mas os locais não parem fazer essa associação.
Nas ruínas adivinhava-se tudo o que uma aldeia da época necessitava: fonte, lagar, forno, capela e pequenas parcelas de terreno de onde arrancavam o sustento, juntamente com os animais que criavam. Imaginei mesmo galinhas no centro da aldeia a correrem em todas as direções. Algum porco solto, a vaguear, completamente integrado com as galinhas, os cães e os animais de tração. Chego a pensar quem habitava estes lugares eram felizes, longe da pressão dos relógios, do burburinho dos hipermercados, vivendo em família e comunidade.
Eu já ficava ali a explorar cada recanto das casas, mas o percurso estava traçado, havia que continuar.
Visitámos a pequena capela de S. Genésio (ou S. Gens?). Foi recuperada e está limpa, cuidada e bonita. Parece que todo o orgulho de muitos dos que aqui tiveram as suas raízes se concentrou na recuperação e preservação deste espaço de culto, onde se realiza uma festa no mês de agosto.
Fizemos um curto desvio ao rio Rabaçal. Foi o local mais paradisíaco que encontrei ao longo do percurso! A açude para reter as águas que faziam rodar as mós dos antigos moinhos ainda está parcialmente operacional . As águas caem em cacheiras de espuma branca. O verde da vegetação ribeirinha é impressionante . Árvores, arbustos e fetos em plena harmonia, que o homem já pouco perturba. Até a barca se foi.
A posição dos antigos moinhos é facilmente identificada pela presença de enormes mós, já cobertas de musgo, repousando na mais completa indiferença. Tudo ali era perfeito: o barulho das águas, a luz por entre as folhas dos amieiros e a cor que que voltou à normalidade depois dos trajes coloridos dos caminheiros se afastarem. É um local para revisitar.
Seguimos viagem por entre pinheiros e fragas, adivinhando hortas, vinhas e olivais nos espectros dos caules que ficaram, cada vez mais comidos pelo tempo e pela vegetação espontânea que não para de crescer. Também aqui a Comissão fez um excelente trabalho na limpeza dos trilhos. Ao longo de todo o percurso, de onde em onde, foram colocados cartoons perdurados nas árvores. O seu teor engraçado e brejeiro despertou gargalhadas e mereceu fotografias. Foi a primeira vez que encontrei estes "quadros" e achei imensa graça. Também foram colocadas notas históricas nos pontes merecedores, enriquecendo a caminhada que assim mereceu inteiramente a designação de "caminhos com história".
Pouco tempo depois, junto ao rio Calvo, esperava-nos o reforço. Confesso que nem reparei no que no que constava. Colhi uma maçã e embrenhei-me na vegetação admirando o leito irregular , as rochas cobertas de musgo, e os regatos de água límpida que contornavam as rochas. Comer poderia ficar para mais tarde, mas tinha que gozar o local.
A paragem seguinte foi na Ponte do Arquinho, romana, que parece integrar uma via que ligaria Braga a Astorga. Outra teoria indica que esta via ligaria o Tâmega ao Douro. Contudo, não restam dúvidas da sua origem e antiguidade e monumentalidade uma vez que o tabuleiro tem mais de 7 metros de largura.
Os sulcos gravados na calçada lembram séculos, milénios de uso dos rodados dos carros, das ferraduras do cavalos que por aqui transportaram aldeões, e fidalgos, centuriões e soldados.
Da ponte à aldeia passámos por mais um trilho muito bonito. Uma zona fresca, com vegetação luxuriante que cria um verdadeiro túnel por onde passámos.
Entrámos em Possacos pouco passava do meio dia e meio, o que nos deu ainda tempo para visitar a igreja matriz e um espaço que pretende ser um museu.
A igreja é do séc. XVII. À entrada, mesmo com pouca luz, chama à atenção o dourado do altar da capela-mor. Curiosamente ainda mantém o gradeamento a separá-la do resto da igreja. A talha dourada é realmente deslumbrante as o teto da capela também merece atenção. Tem pinturas, em caixotões, representando passagens da vida de Cristo do nascimento à ressurreição e de Nossa Senhora.
Num espaço da junta de Freguesia visitámos uma sala com artefactos antigos, principalmente ligados à carpintaria. Trata-se de um embrião de um espaço museológico que se pretende criar. Mesmo assim já reúne um bom número de peças, curioso e já em desuso que interessa preservar e mostrar às gerações vindouras.
Terminado a caminhada foi chegado o momento de degostar as iguarias que nos tinham preparado. Não faltaram queijo, fiambre, carne e salsichas assadas, azeitonas, salada, (bom) pão, e, como prato principal, uma deliciosa feijoada de comer e não "chorar por mais" porque a panela era grande e a solução era voltar a comer.
Não falei do vinho, que era bom, do caldo verde e das frutas para sobremesa. Nestas destacam-se a saborosas cerejas, tão doces e famosas que figuram no brasão da freguesia.
Foi tudo tão bom que para e foi com muita pena que vi começar a cair a chuva que me impediu de explorar as ruas da aldeia como pretendia, mas senti-me satisfeito. Fomos bem recebidos, muito bem tratados, o percurso foi muito interessante e todas as pessoas foram simpáticas e acolhedoras.
Só me resta agradecer à Comissão e à Junta de Freguesia o terem-nos proporcionado uma tão boa manhã de domingo e aos caminheiros pelo alegria e proximidade com que me trataram. Espero voltar, se não for antes, pois que seja na próxima Caminhada com História.
Quando será a proxima caminhada de Possacos?
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